terça-feira, 21 de setembro de 2010

A Antropologia do FIFA

O objetivo do seguinte estudo é elucidar toda a relação social que emerge dessa atividade, que certamente, é uma das mais fascinantes criadas pela tecnologia dos games. O FIFA para Playstation 3 deu uma nova dimensão ao futebol, elevando-o a um patamar de pura sintonia entre jogo-espectador e real-virtual. Antes o indíviduo que era reduzido a uma posição de contemplação do jogo (observando a partida, agindo como mero torcedor, ausente de qualquer interferência física na partida) ou "participação ativa" (entenda-se pelo conceito de participação ativa o ato de jogar futebol, o que exige aparatos físico, técnicos e mentais como características primordiais de atuação), agora opera como controlador dos agentes espetáculo em sua totalidade (ou como apenas um desses agentes), usando apenas de suas capacidades mentais de manipulação e análise de jogo aliada a uma habilidade virtual não muito sofisticada, embora esta se torne cada vez mais complexa e exigente com a modernização dos simuladores.
Essa nova modalidade de relação indivíduo-jogo tem sua pré-história no winning eleven, que assim como as tribos totêmicas australianas para com as sociedades industriais, oferece uma visão rudimentar e básica do que viria se edificar mais tarde com o advento do FIFA. O Winning eleven, principalmente para playstation 2 inaugura essa relação de controle do jogo pelo indivíduo. Vamos agora esclarecer alguns pontos importantes para uma fenomenologia do FIFA, afim de compreender a essência do jogo, como os seus agentes se relacionam com ele, a dicotomia real-virtual, de que maneira um age sobre o outro e quais forças direcionam as ações.

1. O Fenômeno

O jogo de FIFA se firma cada vez mais como um fiel simulacro da realidade do jogo de futebol. Fazendo uma analogia com Platão e sua Teoria da Idéias, o futebol real, imponderável, jogado por 22 homens de carne e osso é uma idéia, reside no mundo inteligível fora do tempo e do espaço, imutável. Já o FIFA, é sua imitação imperfeita, reside no mundo sensível. É sombra da verdadeira imagem do futebol. Como sombra, o FIFA puxa para si todas as delineações e aparências do futebol real, porém sem se-lo. O FIFA se desenvolve e só "existe" dentro da esfera virtual, seu desenrolar só é possível por detrás da tela da televisão. Porém, sua influência irradia para fora do domínio virtual da mesma forma que as luzes dos seus gráficos iluminam as concretas paredes entorno da televisão, sendo aí que o FIFA se faz real e presente, construindo seus laços com os indivíduos de carne e osso que estabelecem relação com ele ao pegar no controle. A partir desde momento, real e virtual se entrelaçam e confundem-se, exercendo mutuamente ações que remodelam um ao outro.

2. O Homem e o FIFA

A relação entre homem-futebol no FIFA se dá numa dinâmica totalmente nova, como já vimos. O que me interessa neste ponto é que, apesar de toda a organização única e inédita que o FIFA proporciona, o modo de pensamento que rege o jogador é análogo a maneira de pensar nas demais relações com futebol. Isso não significa, evidentemente, que um jogador brilhante de futebol vai necessariamente ser também brilhante no FIFA e vice versa, os recursos de atuação são outros, porém, a força cognitiva que os manipula segue os mesmos princípios. Com base em exaustivas observações de indivíduos jogando FIFA e futebol propriamente dito, pode-se concluir perfeitamente que características marcantes de seu modus operandi permanecem. Observa-se que o indíviduo pouco propenso a realizar passes, o popular fominha, jogador que não solta a bola para seus companheiros no jogo de futebol, também opera da mesma maneira no FIFA. Na partida virtual, ele tende sempre a buscar o drible e forçar a jogada individual em vez de trocar passes buscando a melhor forma de se aproximar do gol. Ele parece ignorar o fato de que, diferentemente do futebol coletivo onde ele responde por si de maneira ativa apenas quando tem a posse de bola idem com relação a seus amigos envolta, no FIFA todos os dez jogadores de linha são controlados por ele, o que torna sem sentido a privação da bola em um só "eu" já que ele tem o controle de todos e o ato de passar a bola não o destitui de um papel ativo no jogo. Logicamente, quando o jogo abrange mais de um jogador por equipe, esta característica tende a acentuar-se. Isso pode ser designado como "A Síndrome do X quebrado". Outro exemplo oportuno é a minha proposta de jogo, fundamentada em marcação e trocas de passe. Raramente há gracejos ou jogadas de efeito, a construção da forma de jogar é semelhante nas duas esferas (FIFA e futebol).
É importante ressaltar que nem todo modus operandi de um jogador de FIFA é baseado no seu pensamento dentro das quatro linhas reais. O FIFA, assim como todo jogo e toda virtualidade, abre uma margem lúdico-fantasiosa que permite que o jogador faça jogadas cujas quais ele não consegue no mundo, seja por limitação técnica ou física. A partir de agora eu vou me referir a esse espaço de atuação do imaginário e fantasioso, do que só se realiza na esfera virtual como "Vácuo de magia". Um região só existente no jogo onde é permitido ao jogador concretizar jogadas de sua imaginação, fantasiar e "materializar virtualmente" algum desejo seu impossível de ser produzido na esfera real. Isso permite àquele seu amigo nerd horroroso que mal sabe dominar a bola driblar cinco, dar três chapéus e fazer um gol de cobertura. Isso torna possível o Marcel driblar três, pedalar e chutar a bola de fora da área no ângulo com o Nedved (Esse caso de Marcel-Nedved também pode ser estudado como a personificação do virtual no real, que nada mais é do que quando o jogador real, ao assumir controle de determinado ser virtual, age de acordo com os princípios deste e as habilidades específicas deste no jogo. Isso explica porque um controlador adepto dos dribles não tenha o impulso de driblar quando no domínio do Odvan. É o pensamento real-personificado que confere o jogo mais um caráter de realidade. Outro exemplo é dar carrinhos com o Waldo Ponce para roubar a bola e tentar ganhar no corpo com o Terry). O tamanho do vácuo de magia varia de controlador para controlador, podendo ser extremante determinante e enorme ou apesar esporádicos espamos no decorrer de uma partida. Seu alicerce é, principalmente, a habilidade de controle virtual do jogador. O cabe discutir é, em até que ponto, esse pensamento lúdico-fantasioso pode ser considerado exclusivo do FIFA e residente portanto somente dessa esfera, ou ele é uma transposição de um desejo frustrado das quatro linhas para um virtual onde é possível realizar este anseio. O problema teórico é definir se o pensamento cognitivo do seu amigo nerd no campo de futebol seria um pensamento driblador, dotado de visão de jogo privilegiada mas que, por quastões técnicas e físicas ele é limitado destas potencialidades não podendo dar vazão a essas qualidades intrínsecas de pensamento ou se ele realmente não tem essa perspicácia e astúcia futebolistica reprimida em nenhum momento e elas só existem no campo virtual. Isso eu não sei responder até agora.

[continua]