segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Copacabana

Naturalmente linda. Suas montanhas verdes guardam a beleza de sua praia como se fossem enormes e imponentes soldados protegendo uma Rainha. A mais bela de todas as Rainhas. Cercada desses imensos e brutos escudos de pedra, a areia branca e fofa recebe o afago das azuis ondas do atlântico. É difícil imaginar um cenário mais belo que esse. Uma área de 7,84 km² que nasce nos pés de gigantes montanhas de traços arredondados que parecem querer eternizar em pedra o balanço das ondas onde morre, aliás, não morre, se eterniza no azul do oceano esse pedaço de terra que é fruto do mais maravilhoso dos acasos geográficos e naturais, ou que sabe, resultado do maior dos esforços geniais de Deus.
Há lugar melhor pra viver? Existe algum terreno mais próprio a coroar a maravilha da vida e servir de um quadro eterno do quão encantador, admirável e deslumbrante é a existência humana e suas pródigas experiências, conclusões e obras? Certamente não. É a tela perfeita para a humanidade pintar sua grandeza. Porém, sabemos como a humanidade é. Quando não está buscando explicações para o inexplicável, está fazendo merda. E as sucessivas merdas que a humanidade fez, faz e fará se apossam dessa paisagem sublime como cancro, deformando feito lepra o que um dia já foi a maior representação de beleza.
Copacabana... seus morros outrora verdes e vivos agora convivem com casebres miseráveis, pocilgas que se multiplicam em torno de suas curvas como acnes purulentas. Suas águas que agora recebem o beijo podre das línguas negras, jogando restos e esgoto no mar, onde o antes azul que se confundia e tentava imitar o azul do céu agora briga contra o marrom e o preto das sujeiras pra se sobrepor. Os enormes prédios, com sua rude arquitetura quadrada que cortam a imagem da cidadem nos quadrados das pequenas janelinhas que vazam do concreto dos edíficios, soam como um abstracionismo geométrico fracassado. São grandes trasgos cinzas que se apossaram e se multiplicaram na antes sagrada e protegida reclusão da Rainha. Agora o chão tem o cinza sujo do asfalto, das calçadas desniveladas e esburadas, donde regularemente brotam malditos, horrendos e repulsivos blocos de cimentos com um topo tringular, os cinzas e ásperos gelos baianos, os desmedidos prédios quadrados e uma sinfonia initerrupta da tortura. A ópera do tormento de copacabana divide-se em três atos: "o amanhecer", onde escuta-se os primeiros freios de ônibus chacoalhando sua carcaça de ferro pelas ruas, os despertadores anunciam a abertura do segundo ato: "A explosão", onde todos os instrumentos (de tortura) operam a plenos vapores e quase nunca permitem que haja um solista, todos emitem seus ruídos à todo momento. São os ônibus acelerando e freiando a todo instante, são as obras quebrando e erguendo as deformidades do bairro, são os berros dos indigentes, o grito dos ambulantes, é a buzina dos impacientes, a sirene dos doentes... cada um dos expremidos habitantes junto aos passageiros de ocasião contribuem para perpetuar no ar da cidade a propagação de enormes decibéis desconexos e simultâneos que estupram os tímpanos e penetram até o âmago da alma afastando esta de qualquer busca pela paz. No terceiro ato, "O desfalecer", todos recolhecem-se para os quadrados que lhes servem de abrigo, literalmente entulhados um sobre os outros (uns mais e outros menos) e escutam os ônibus marcando o compasso entre os telefones que tocam e os agressivos que brigam.
No chão, o contemplar do pouco que restou das curvas montanhesas e do mar que agora é um grande escuro espelhando as diversas luzes ao redor, é interrompido por pedidos de dinheiro, pelo contar de histórias tristes e a maresia carrega o forte e incômodo fedor da miséria. As praças de bancos rachados, das areias secas e duras, das plantas mortas. As esquinas onde todos se trombam ou desviam permanentemente, disputando um pouco de espaço numa procissão hiperlotada, os bares, igrejas e prostíbulos provendo toda a morfina existencial que um pretenso homem precisa. Nos bares embriagam-se e esquecem dos problemas, nas igrejas vislumbram a salvação e a paz eterna que um dia irão extinguir as dores e as saudades, no prostíbulo deleitam-se do prazer mais intenso e primitivo do homem.
Mas é claro que pra todo o quadro, existe um ângulo melhor. Visto das coberturas que dão as costas para os morros doentes e os grandes paralelepídos de concreto, estão muito acima das desventuras do asfalto, de frente para imensidão azul do atlântico, tudo parece mais bonito. Ainda mais ofuscado pelo insulfilm dos carros blindados.