Naturalmente linda. Suas montanhas verdes guardam a beleza de sua praia como se fossem enormes e imponentes soldados protegendo uma Rainha. A mais bela de todas as Rainhas. Cercada desses imensos e brutos escudos de pedra, a areia branca e fofa recebe o afago das azuis ondas do atlântico. É difícil imaginar um cenário mais belo que esse. Uma área de 7,84 km² que nasce nos pés de gigantes montanhas de traços arredondados que parecem querer eternizar em pedra o balanço das ondas onde morre, aliás, não morre, se eterniza no azul do oceano esse pedaço de terra que é fruto do mais maravilhoso dos acasos geográficos e naturais, ou que sabe, resultado do maior dos esforços geniais de Deus.
Há lugar melhor pra viver? Existe algum terreno mais próprio a coroar a maravilha da vida e servir de um quadro eterno do quão encantador, admirável e deslumbrante é a existência humana e suas pródigas experiências, conclusões e obras? Certamente não. É a tela perfeita para a humanidade pintar sua grandeza. Porém, sabemos como a humanidade é. Quando não está buscando explicações para o inexplicável, está fazendo merda. E as sucessivas merdas que a humanidade fez, faz e fará se apossam dessa paisagem sublime como cancro, deformando feito lepra o que um dia já foi a maior representação de beleza.
Copacabana... seus morros outrora verdes e vivos agora convivem com casebres miseráveis, pocilgas que se multiplicam em torno de suas curvas como acnes purulentas. Suas águas que agora recebem o beijo podre das línguas negras, jogando restos e esgoto no mar, onde o antes azul que se confundia e tentava imitar o azul do céu agora briga contra o marrom e o preto das sujeiras pra se sobrepor. Os enormes prédios, com sua rude arquitetura quadrada que cortam a imagem da cidadem nos quadrados das pequenas janelinhas que vazam do concreto dos edíficios, soam como um abstracionismo geométrico fracassado. São grandes trasgos cinzas que se apossaram e se multiplicaram na antes sagrada e protegida reclusão da Rainha. Agora o chão tem o cinza sujo do asfalto, das calçadas desniveladas e esburadas, donde regularemente brotam malditos, horrendos e repulsivos blocos de cimentos com um topo tringular, os cinzas e ásperos gelos baianos, os desmedidos prédios quadrados e uma sinfonia initerrupta da tortura. A ópera do tormento de copacabana divide-se em três atos: "o amanhecer", onde escuta-se os primeiros freios de ônibus chacoalhando sua carcaça de ferro pelas ruas, os despertadores anunciam a abertura do segundo ato: "A explosão", onde todos os instrumentos (de tortura) operam a plenos vapores e quase nunca permitem que haja um solista, todos emitem seus ruídos à todo momento. São os ônibus acelerando e freiando a todo instante, são as obras quebrando e erguendo as deformidades do bairro, são os berros dos indigentes, o grito dos ambulantes, é a buzina dos impacientes, a sirene dos doentes... cada um dos expremidos habitantes junto aos passageiros de ocasião contribuem para perpetuar no ar da cidade a propagação de enormes decibéis desconexos e simultâneos que estupram os tímpanos e penetram até o âmago da alma afastando esta de qualquer busca pela paz. No terceiro ato, "O desfalecer", todos recolhecem-se para os quadrados que lhes servem de abrigo, literalmente entulhados um sobre os outros (uns mais e outros menos) e escutam os ônibus marcando o compasso entre os telefones que tocam e os agressivos que brigam.
No chão, o contemplar do pouco que restou das curvas montanhesas e do mar que agora é um grande escuro espelhando as diversas luzes ao redor, é interrompido por pedidos de dinheiro, pelo contar de histórias tristes e a maresia carrega o forte e incômodo fedor da miséria. As praças de bancos rachados, das areias secas e duras, das plantas mortas. As esquinas onde todos se trombam ou desviam permanentemente, disputando um pouco de espaço numa procissão hiperlotada, os bares, igrejas e prostíbulos provendo toda a morfina existencial que um pretenso homem precisa. Nos bares embriagam-se e esquecem dos problemas, nas igrejas vislumbram a salvação e a paz eterna que um dia irão extinguir as dores e as saudades, no prostíbulo deleitam-se do prazer mais intenso e primitivo do homem.
Mas é claro que pra todo o quadro, existe um ângulo melhor. Visto das coberturas que dão as costas para os morros doentes e os grandes paralelepídos de concreto, estão muito acima das desventuras do asfalto, de frente para imensidão azul do atlântico, tudo parece mais bonito. Ainda mais ofuscado pelo insulfilm dos carros blindados.
November 22 Zodiac
Há 7 meses