segunda-feira, 29 de março de 2010

Heleno de Freitas, novo ídolo




Ao me deparar por acaso com a informação de que Heleno de Freitas foi aluno do São Bento e formado em Ciências Jurídicas e Socias pela UFRJ, me senti imediatamente supreendido por um jogador lá dos anos 40 ter essa excelente formação acadêmica e ser lembrado pelas suas atitudes temperamentais e futebol de alta qualidade. Senti-me instigado a procurar mais informações sobre a história desse jogador, que eu conhecia apenas algumas histórias interessantes superficialmente. Me deparei com uma infinidade de particulares que me geraram um fascínio instantâneo pela figura de Heleno de Freitas. Sua história é de um enredo épico grego, transposto ao cinema holywoodiano que explodia naqueles anos.
Pretendo começar o mais breve possível a ler o livro sobre ele e terminar esse post com mais base. Porém aqui vai uma história que demonstra bem o lado temperamental de Heleno:

"Um dos casos registrados, deu-se com um jogador argentino, chamado Valsechi. Após algumas tentativas de tabela, quando Heleno dava aquele passe "açucarado" e aguardava, logicamente, a devolução adequada da "tabela" tentada, não se aguentou ao ver outra bola que o Valsechi "devolvia" ao adversário, ao invés de seus pés. Parou em campo e enquanto a jogada prosseguia, ele simplesmente chegou-se ao gringo, dizendo:
"Veja nossas camisas. São iguais. Mesmas cores, preto e branco, mesmas listras verticais, mesmo escudo, calção preto, tudo igual, certo?
Valsechi, timidamente disse:"Si, cierto."
"Então, seu gringo idiota (já aos berros) POR QUE VOCE ESTÁ PASSANDO A BOLA PARA ELES, QUE TEM CAMISA VERDE E VERMELHA???"

Eis meu texto apresentação, após ler o excelente livro sobre a vida dele, pra todos conhecerem o básico sobre Heleno:

Heleno se destacava tanto dentro quanto fora de campo. Sua habilidade e técnica apuradas juntamente à sua cabeçada fulminante resultavam em gols que o consagravam, no gramado, como um dos maiores ídolos cariocas da era pré Maracanã. Seu comportamento intempestivo, facilmente irritadiço e chegando até a arrogância e prepotência que lhe rendia diversas suspensões e expulsões, também gerou a alcunha (que ele odiava) de “Gilda”, nome da personagem da bela Rita Hayworth no filme homônimo de 1946. Gilda tinha todas as características de Heleno, linda, rica e cheia de vontades. Além de se sobrepor dentro de campo, Heleno se diferenciava fora. Durante os primeiros passos do profissionalismo no Brasil, a maioria dos jogadores eram menos favorecidos, que só sabiam chutar a bola e disso dependiam para sobreviver. Já o mineiro Heleno, que veio morar em Copacabana ainda criança, estudou no tradicional colégio São Bento e formou-se mais tarde em direito. Fato que o deixava sempre mais próximo de dirigentes, jogando xadrez e conversando sobre política, do que dos próprios companheiros de time.
Levado ao Botafogo por Neném Prancha, que o descobrira na praia de Copacabana, Heleno se destacou nos juvenis ainda jogando como zagueiro. Só viraria atacante durante passagem pela equipe amadora do Fluminense, saindo de lá brigado com o técnico e já tido como de temperamento incorrigível, alguém cujo perfeccionismo cruel que o levava a desmoralizar e humilhar os colegas de equipe durante a partida quando estes erravam um passe ou perdiam um gol após uma assistência perfeita sua. Voltando o Botafogo, clube no qual jogou a maior parte da sua carreira, de 1937 até 1948. Porém, sem ganhar nenhum título (o que não chega a ser surpreendente). Em 1947, após o Botafogo terminar na segunda colocação pela terceira vez consecutiva, perdendo o título deste ano para o Vasco, Heleno desabafou: “Estou farto de ser vice campeão”. Após inúmeras discussões no elenco, o clima para Heleno em General Severiano ficara quase insustentável. O Boca Juniors que passava por uma fase terrível no campeonato argentino veio ao Brasil com a missão de voltar com um ídolo para sua torcida. Heleno desembarca na Argentina com status de salvador de pátria e grande craque brasileiro, reputação conquistada após sua brilhante atuação na Copa Rio Branco, disputada naquele país em 1946. A estréia de Heleno chega a corroborar com essas grandes expectativas, marcando dois gols na vitória por 3 a 0 sobre o Banfield. No entanto, o que se seguiu pelos meses seguintes foi um Heleno irritado com sua superexposição midiática e em guerra com os companheiros de time. Um ano depois, ele voltaria ao Brasil. Desta vez, para vestir a vitoriosa camisa do Vasco e esquentar ainda mais a caldeira do expresso da vitória, que já estava em plena velocidade. Ganharia em São Januário seu primeiro título, o campeonato carioca de 1949. O terceiro título invicto do Vasco nos últimos cinco anos. De São Januário, partiu com destino a Medellín a fim de jogar na pirata e milionária liga colombina que contava, dentre outros, com Di Stefano. Ao retornar ao Brasil, Heleno tenta uma nova chance no Vasco, porém era desafeto do treinador Flávio Costa, que o recebeu da forma mais hostil possível. Heleno, já demonstrando os sinais da insanidade que o enterraria em menos de dez anos, sacou um minúsculo revólver e apontou para o treinador vascaíno, que fora da polícia especial e desarmou o atacante com facilidade, ainda lhe dando uns murros. Heleno saia pela última vez de São Januário. Foram 24 jogos e 19 gols com a camisa cruzmaltina.
O que se seguiu foi a derrocada vertiginosa da carreira do ex-craque. Rejeitado pelos clubes por seu temperamento irascível, fez sua estréia no Maracanã com a camisa do América em 1951. Irreconhecível e expulso por brigar com seus companheiros de time ainda no primeiro tempo. Talvez derradeiro sinal de que já não estava saudável mentalmente e que sua natural excentricidade e irritação já haviam extrapolado irremediavelmente para a insanidade. Foi esta sua despedida do futebol. Os anos seguintes cheirariam a éter e pobreza.
Na seleção Brasileira, nunca teve a oportunidade de disputar uma copa do mundo. Enquanto ele estava no auge, o planeta estava muito ocupado se matando na segunda guerra mundial. Não sobrava tempo para a alegria do futebol em um mundo que se autodestruía em explosões. Na fatídica copa de 50, Heleno foi preterido por Flávio Costa, chegou a declarar à época que com ele no comando do ataque brasileiro, o Maracanazzo não ocorreria. Mas esse fato ficará apenas guardado em sonhos e suposições, o destino não permitiu que as 18 partidas e os 14 gols que Heleno marcou com a camisa do Brasil fossem durante a mais importante competição futebolística.
Heleno terminou seus dias da maneira oposta a que os seus fãs acostumaram-se a vê-lo. Seu ágil e admirável corpo agora jazia entravado na cama de um hospício. Sua fala elaborada agora se resumia a grunhidos. Passou os últimos cinco anos de sua vida sendo corroído pela loucura que a sífilis entranhou em seus nervos. Não havia mais lembranças do excepcional jogador que fazia multidões gritarem seu nome extasiados por sua genialidade em campo. Não havia resquício do advogado boêmio que passava as noites a se divertir no cassino da Urca. O pouco que restava era um corpo deformado, inoperante e entregue a loucura. Heleno morreu em 8 de novembro de 1959, aos 39 anos. Já sem ser Heleno.

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