quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Acerca da unificação dos títulos

A "unificação" dos títulos brasileiros cometida pela CBF hoje é uma procissão de erros. A começar pela denominação "unificação", quando o que na realidade ocorre mais se assemelha a uma transformação de determinados torneios em outro. É praticamente um processo mágico, uma transmutação alquímica de um título datado em algo atual, pegaram 10 contos de réis e falaram que é uma nota de dez reais. O que se convencionou chamar unificação é um erro histórico, lógico e moral. Não passa de uma politicagem de última categoria, parte do lodo podre que degrada e entoxica o futebol com pareceres imbecis que o deformam cada vez mais.
O primeiro evidente equívoco dessa resolução é pura e simplesmente histórico. Atribuir um conceito posterior a um fato do passado é um anacronismo. Um erro de cronologia que consiste em pensar e classificar uma época com valores que não pertecem a esta mesma época. Antes de 1971 não existia campeonato brasileiro. Não existia a idéia, o conceito, a concepção, nada de campeonato brasileiro. Então de que maneira se pode chamar qualquer competição ocorrida no mundo antes de 1971 de campeonato brasileiro? Se o Graham Bell inventou o telefone de 1876 como eu posso chamar qualquer coisa antes disso de telefone? Nessas horas a ignomínia levanta sua bandeira e brada: "Ah, mas é como se fosse! Tinham bons times brasileiros disputando um campeonato, então o campeonato era brasileiro". Em primeiro lugar, "como se fosse" não é. Quando o Jason enterra um machado no crânio de uma loira gata que instantaneamente jorra sangue sob uma feição carregada de dor em alguma cena de Sexta Feira 13, é como se fosse um assassinato, mas não é. Nas madrugadas de solidão na sua casa, quando você entra no hellxx e se masturba, é como se fosse um ato sexual, mas não é. Esses dois exemplos grosseiros ilustram de maneira didática a diferença entre "como se fosse" e o é. Esse argumento da competição reunindo os ditos melhores times brasileiros da época ser suficiente para atribuir o valor de campeão brasileiro ao ganhador desse título resulta na segunda incongruência no argumento da nossa querida CBF. É o que vamos ver a seguir.
Nossa querida Taça Brasil era uma Copa que reunia todas os campeões estaduais. Com a palavra, a wikipedia: "Participavam da Taça Brasil as equipes campeãs estaduais de todo o país, porém as equipes mais fortes disputavam apenas as fases finais." Isso lembra alguma coisa? Tem certeza? Sim, é claro! A famigerada "Copa dos Campeões"! Pra quem não lembra, vamos voltar alguns anos no passado: "A Copa dos Campeões foi uma competição oficial da CBF disputada pela primeira vez em 2000, com o objetivo de determinar o quarto representante do Brasil na Taça Libertadores da América, os outros eram o campeão da Copa do Brasil, o vencedor e o vice do Campeonato Brasileiro. Em 2000 e 2001, participaram da Copa os vencedores do Campeonato Carioca, Campeonato Paulista, Torneio Rio-São Paulo e Copa do Nordeste. Além destes, os finalistas da Copa Sul Minas e os do triangular realizado entre os vencedores da Norte, Centro-Oeste, e o vice da Nordeste. Em 2002, 16 times disputaram a competição, sendo estes os 6 primeiros colocados do Torneio Rio-São Paulo, os semifinalistas da Copa Sul Minas, os 3 melhores da Copa do Nordeste, além dos campeões da Copa Norte e da Centro-Oeste, além do campeão do ano anterior." Hum... Parecido não? Campeões estaduais disputando uma copa.. valendo vaga na libertadores.. Tem alguma diferença?
Olha só, acabei de dar um motivo muito mais forte pro Flamengo choramingar um título brasileiro que o de 1987. Queria dar meus parabéns ao Payssandu e Palmeiras, outros dois novos campeões brasileiros seguindo a linha brilhante de raciocínio da CBF. Mais uma vez os leigos, influenciados e/ou interessados na questão dizem: "Ah, mas naquela época só tinha essa competição e ela dava vaga pra libertadores! É importante!" Nos últimos três anos de taça brasil existia o Roberto Gomes Pedrosa também, e o resultado disse é termos dois campeões brasileiros em um ano. O Brasil é uma terra de campeões mesmo, todo mundo é campeão. E no Uruguai, por exemplo, existe a liguilla pré-libertadores, uma copinha que tem mais que os 4 jogos da Taça Brasil, reúne os melhores times do país em busca de uma vaga na Copa Libertadores. Tente dizer a algum uruguaio que o campeão da Liguilla é campeão nacional, alguns vão rir de você, outros mais compreensivos te explicar que você está falando besteira.
Vale ressaltar que eu não quero despretigiar esses títulos. O Vasco em 1948 ganhou o Sulamericano, competição que reunia os melhores times do continente, com direito a River Plate de Di Stefano. Essa competição inspirou a criação da Champions League, que a mocidade tanto gosta de babar ovo e, posteriormente, da Libertadores. O Vasco ganhou a libertadores? Sim, em 1998. Em 1948 ele ganhou o Sulamericano. É parecido? É. Mas naquela época não existia libertadores. É importante? Muito. Vamos chamar ele de libertadores então? Não. O Sulamericano, o Robertão, a Taça Brasil tem que ser valorizadas pelo que foram, não categorizadas como algo posterior dissociado de sua história para ganhar falsos ares de importância.
Só para terminar, é duro ouvir esses jornalistas imbecis, problemáticos e políticos vomitando: "Mas o Pelé nunca foi campeão brasileiro então! Isso é absurdo!" Paciência, coisas da vida. Não adianta querer encobrir a incompetência brasileira em organizar um campeonato nacional decente considerando alguns torneios como se fossem verdadeiras copas nacionais. As dimensões continentais, a falta de infra-estrutura e a inerente relapsidade e incompetência organizacional só permitiram termos campeonatos nacionais a partir de 1971. Eu adoraria que já tivessem em 1950 pro Vasco ganhar tudo com o expresso, mas não existia. Querer reparar os erros do passado com novos erros só multiplicam as distorções, é mais sensato se preocupar com o futuro do futebol com clubes falidos, jogadores podres e decadência flagrante do futebol brasileiro. Nosso passado foi bonito mas já acabou. É melhor construir um futuro sem desacertos para serem vergonhosamente maquiados. Abolir os pontos corridos seria um bom começo...

0 comentários:

Postar um comentário