sexta-feira, 5 de março de 2010

Manual prático de como fazer uma novela do Manoel Carlos

Tendo em vista a decrépita situação do novelista Manoel Carlos graças a sua idade avançada e excesso de peso, ele não deve durar o suficiente para escrever mais duas ou três novelas. O que é motivo de celebração para todos nós brasileiros; e porque não, todos nós seres humanos. Assim que o tal novelista pegar seu passaporte para o inferno, ficará um vazio na dramaturgia brasileira. Quem será o porta-voz da zona sul carioca? Quem levantará a bandeira das causas do Leblon? Quem narrará as aventuras extraordinárias das donas de casa da Delfim Moreira?
Não entre em pânico, pobre socialite do Leblon. Suas noites não ficarão desprovidas de toda a emoção gerada por essas ilustres histórias do cotidiano fantasioso carioca. Qualquer um de nós pode preencher essa vaga tão essencial para a vida do brasileiro. É só seguir alguns passos básicos e pronto. É mais fácil do que fazer uma pipoca de microondas, embora a sua mulata empregada doméstica ou "secretária do lar" costume fazer isso para as protagonistas da novela, que são incapazes de limpar o próprio rabo.
Tudo pode ser condensado numa fórmula simples em alguns passos:

1. Iniciando a trama
Pegue uma Helena. Normalmente você deverá se basear em uma mulher independente que terá entre 30 e 50 anos. Ela não trabalhará. Se muito, um daqueles trabalhos aonde não se faz porra nenhuma, onde ela aparecerá algumas vezes por semana pra ficar duas horas, tomar um café e fofocar com as diretoras.

2. Definindo o local
Insira essa Helena bem sucedida, cheia de amor pra dar com um turbilhão de emoções conflitantes e a coloque no Leblon. É importante certificar-se que há pelo menos três imagens aéreas de ângulos diferentes do bairro, duas imagens de crianças brincando em alguma praça, uma tomada da praia numa manhã de sol e céu azul (importante conferir se a praia não está lotada e sim bem frequentada de distintos moradores lendo o jornal O Globo relaxando pelas manhãs) e por fim duas tomadas diferentes de jovens atraentes passeando com cachorro. Essas imagens serão alternadas durante os nove meses de exibição da novela para indicar a troca de cena.

Pronto, agora que você já tem uma Helena no leblon, meia novela já está pronta. Vamos aos ornamentos secundários, como roteiro, resto do elenco e a história propriamente dita.

3. Ornamentando o núcleo principal
Helena e seu marido, obviamente um grisalho atraente ou um trintão malhado dono de uma empresa aonde ele fica o dia inteiro em seu escritório olhando fotos da família sorrindo enquanto coça o saco e pensa na vida, deverão passar por uma crise conjugal e separação dolorosa provocada pelo adultério de algum dos cônjuges. Após isso Helena, carente e magoada, irá se envolver com outros bem sucedidos esteticamente exemplares ao longo da novela. É crucial entupir todos os fatos da trama com intrigas. Das mais idiotas como mentir pra algum familiar pra se dar bem até mandar matar um inimigo. Cerque nossa baluarte com dois ou três filhos bonitos e obviamente com empregos de remuneração alta aonde não se trabalha. Recomenda-se um filho médico, para que possa se desenrolar histórias comoventes com vítimas acidentadas e uma filha advogada com pseudo consciência social. Guarde as profissões de engenheiro ou arquiteto para o terceiro filho opcional ou o núcleo secundário.

4. Construindo o núcleo secundário
O núcleo secundário é responsável por dois lados distintos da trama. São eles que enchem lingüiça com babaquices e atitudes retardadas e carregam o lado social da história. A primeira parte é simples e evidente, coloque intrigas familiares, pessoas com distúrbios morais e agindo feito verdadeiros animais que só pensam em foder os outros, ganhar dinheiro e fornicar. Esse núcleo brigará pela herança, tentará roubar a empresa do controle do pai e deixar ele na merda bebendo chorume em alguma esquina qualquer, irá colocar marca de batom na cueca do amado para destruir o casamento dele e ir consolá-lo numa imensa demonstração de canalhice e cinismo... Enfim, esse tipo de putaria e absurdo que o povo adora xingar enquanto está na manicure, no bar ou na fila do supermercado. O segundo tomo exige maior atenção: O lado social. Este segmento serve para dar um quê humanitário a novela. Fingir que ela tem alguma utilidade ou serviço público. Esses problemas sociais devem ser as questões que afligem a sociedade pós-moderna. Mas não se esqueça que a novela se passa no leblon. Nada de exclusão social, concentração de renda, alienação cultural, problemas educacionais e coisas do gênero. O que interessa são os problemas estão no âmago da elite carioca e que não interferem na atual ordem social. Coisas do tipo epidemia de dengue, preconceito com portadores da síndrome de down, falta de infra-estrutura para deficientes físicos, alcoolismo, poluição ambiental, má conduta no trânsito, envolvimento com drogas, violência contra mulher, cleptomanía... esses pormenores que sensibilizam quem assiste e tem o objetivo enfiar goela abaixo do povo noções básicas de cidadania e educação. Esses assuntos deverão ser tratados em conversas no café da manhã enquanto a empregada ( obrigatóriamente mulata, gostosa e safada com no máximo 25 anos) serve a mesa farta ou em algum projeto filantrópico que essas nobres almas do leblon ajudam com todo o amor, carinho e atenção.

5. Terceiro núcleo ou os menos favorecidos
Esse é o núcleo comediante da novela, afinal todo mundo do leblon quer mais é rir da cara do pobre mesmo. Jamais eles morarão no leblon ou arredores. Eles são provenientes de alguma favela bonitinha e pacífica, aonde a vizinhança amigável vale mais do que saneamento básico. É importante tratar a falta de dinheiro com uma certa alegria e "glamurização". Eles estão com pouco dinheiro, mas sempre pagando os impostos em dia, nunca com risco de despejo, nunca passam fome, as contas são pagas religiosamente na data e eles estão sempre levando a vida com um sorriso no rosto, no típico "jeitinho brasileiro". São modestos e humildes, limpinhos, na grande maioria negros e mulatos que trabalham no terceiro setor. É a empregada gostosa, o motorista, o porteiro. Essa galera gente boa que tá sempre no churrasco, puxando o pandeiro pra começar com o pagode, se envolve numa confusão cômica, fala alto em casa e rola briga no jantar. Um pastelão cheio de piadinhas e estupidez pra todo mundo soltar uma gargalhada diante da rudeza do povinho sem dinheiro e não ficar só nas desgraças e chantagens da galera rica.

6. Finalizando o trabalho
Agora que o esqueleto está pronto, falta terminar a estética da novela. Certas coisas são deveres de todo o novelista. Por exemplo, escolha um personagem meio insignificante do núcleo rico pra começar a fazer muita merda como roubar, matar, trair e esse tipo de leviandade. Afinal, nem todos podem acabar felizes. Este deve acabar preso, pobre ou morto.
Por falar em morte, outro ponto fundamental é matar alguém. Alguém tem que morrer, pras pessoas lidarem com a perda, chorarem e terem que superar esse baque terrível. E por falar em superação, algum dos personagens principais tem que se foder muito. Geralmente um dos filhos da Helena é uma ótima escolha pra isso. Tire todo o dinheiro dele, faça a mulher que ele ama fugir com um francês milionário, coloque ele em um acidente de carro em que ele sofra alguma sequela séria... esses fatos chocantes que "pode acontecer com qualquer um" e arruinam a vida dele e das pessoas envolta. Preconceito é uma boa pedida também, mas tem que ser descarado pra todo mundo entender.

Caso você queira ser original, troque Helena por Joana e Leblon por Ipanema e você será aclamado o mais criativo roteirista da década.
Em apenas seis passos você terá sua própria novela! No nosso manual não-prático serão oferecidas uma série de acidentes, mutilações, chantagens, piadas estúpidas e problemas existenciais-superficiais para você escolher. E quem sabe com um pouco de sorte e um muito de amizades no meio artístico, você consiga ganhar dinheiro assim, sem fazer porra nenhuma de útil escrevendo um monte de baboseiras imbecis sobre pessoas degeneradas e superficiais. É um trabalho sujo, podre e indigno. Mas quem liga? O importante é manter a ordem social às custas de milhares de vidas ordinárias e miseráveis. Elas aplaudem mesmo.

1 comentários:

Anônimo disse...

Lucas, parabéns pelo seu comentário muito bem humorado e ácido do estilo novela brasileiro, utilizando como exemplo o Manoel Carlos.

Postar um comentário